O início de uma boa fase para o Phasing(?)
- Vinicius "Sorin" Perrone
- 12 de ago. de 2017
- 9 min de leitura
No ano passado, ainda quando começava com o canal no YouTube, tive uma ideia de pauta que considerei interessante o suficiente para render um bom vídeo: falar sobre habilidades incomuns, estranhas ou obsoletas. Eu pretendia listar tais habilidades e explicá-las brevemente, numa ordem que ia da mais simples para a mais complexa. Landhome e Rampage estariam nesta lista - apenas pelo fato de nunca mais terem aparecido em cards novos há mais de 20 anos, cada uma por seus próprios motivos. Outras habilidades - como Banding, por exemplo - eram realmente complexas (pelo menos de se explicar à novos jogadores) e realmente mereciam um lugar de destaque entre as últimas desta lista. Uma dessas pérolas era a famigerada mecânica de Phasing, traduzida para o nosso português como "Alternância".
Desisti de produzir o vídeo quando me dei conta de que só pra explicar essas duas ultimas habilidades eu demoraria um tempo absurdo demais. Mas todo o trabalho de pesquisar sobre aquelas regras não foi de todo inútil... pois nele acabei descobrindo o quanto algumas daquelas habilidades eram legais.

Esta última, em particular, tornou-se muito especial pra mim. 'Phase in' e 'phase out' são mecânicas bastante úteis nas mãos de quem sabe tirar proveito delas, a ponto de me incentivar a correr atrás de montar uma estratégia de Commander focada especialmente nisso. Mas imagino que talvez você que está lendo este artigo deva estar se perguntando: de que diabos esse cara ta falando? Que porcaria de habilidades são essas? Landhome? Banding? Phase in/out?... WTK?!
PHASING, ou Alternância para nós brazucas, é uma habilidade que faz com que uma permanente seja tratada como se ele não existisse. É uma mecânica única no Magic, existente apenas no bloco de Miragem, desenvolvida especificamente para cor azul (embora houveram cards relacionados no branco e no verde). Ela capta o flavor de uma espécie de subjetividade temporal, como se o “objeto da altarnancia” entrasse ou saísse do fluxo de tempo do jogo.
Saindo da metafísica fantástica e voltando pra realidade do jogo, a mecânica de phasing envolve dois estados: “phase in” e “phase out” – que significam respectivamente “entrar ou sair de fase”. Durante a etapa de desvirar de um jogador, antes dele desvirar suas permanentes, todas permanentes com alternância que aquele jogador controla “saem de fase”. Ao mesmo tempo, todas as permanentes daquele jogador que estavam “fora de fase” no início do turno dele "entram em fase".
Pra todos o efeitos, uma permanente que esta “em fase” esta em jogo! Ela existe e pode afetar ou ser afetada normalmente. Em contrapartida, uma permanente “fora de fase” é considerada como se não existisse! Ela não faz parte do jogo e não pode ser afetada por nada que não mencione específicamente cards fora de fase. Magias e habilidades também podem fazer com que permanentes entrem ou saiam de fase sem que essas necessariamente tenham a habilidade Alternância.
Uma permanente que entra ou sai de fase não muda de zona. Na verdade ela jamais deixa o campo de batalha quando isso acontece, logo ela NÃO vai desencadear habilidades que normalmente desencadeariam quando ela sai ou entra no campo de batalha. Da mesma forma, quaisquer auras ou equipamentos anexados aquela permanente saem de fase com ela. Enfim, você deve considerar que uma permanente nessa situação é tratada pelas regras do jogo como o mesmo objeto que gradualmente saiu de fase. Sendo assim ela retêm quaisquer "memórias" ou marcadores, assim como também não é afetada pelo enjôo de invocação, podendo atacar e usar habilidades ativadas de virar no mesmo turno que “entra em fase”.
E isso é importantíssimo, porque é muito comum que alguns jogadores acabem se confundindo e interpretando toda a mecânica de PHASING como se fosse uma forma de blink (aquele efeito que exila a permanente só pra ela entrar em jogo depois). E como você pode ver são duas coisas bem diferentes.
No entanto, tirar uma permanente de fase é um método bem útil pra resguardá-la de possíveis remoções ou outros efeitos nocivos.
Um bom exemplo de card bastante utilizado que se aproveite desta mecânica é Vanishing, conhecido por jogar em decks Commander do incrivelmente insuportavel Zur the Enchanter sendo um dos primeiros encantamentos tutorados com o general. Por 2 manas azuis você da um phase-out na criatura encantada, salvando-a de qualquer tentativa de remoção e devolvendo-a pra você no seu próximo turno pronta para atacar novamente. A combinação de Vanishing com Zur provou ser tão resiliente que esta simples aura azul chegou a ser banida do Duel Commander por algum tempo.

"hehehehe... nunca mais me tiram daqui!"
É perfeitamente entendível que palavras-chave como alternancia e os mecanismos de entrar e sair de fase sejam completamente desconhecidos para boa parte dos jogadores de Magic:the Gathering da atualidade. Conhecemos esse cardgame nos tempos de hoje como um jogo amplamente difundido pelo mundo, com elementos visuais de alta qualidade e mecânicas desenvolvidas com esmero para alcançar o maior público possível (mesmo que muitas vezes ainda as pessoas reclamem bastante). Mas todo este sucesso se devem a anos e anos de trabalho duro por parte da empresa que produz tal jogo, e obviamente neste percurso houveram muitos tropeços de game design. Alguns destes "tropeços", geraram maluquices como habilidades virtualmente inúteis ou, no caso específico de phasing, complexas demais para que valham o esforço de ter de explica-las sempre que se queira usa-las.
Mas há quem discorde disso. Para alguns players saudosistas e excêntricos, mecânicas obsoletas são como um suvenir a ser apreciado; um lembrete dos tempos antigos quando "Magic não era para tapados". Conforme os tempos passaram, o próprio perfil dos jogadores de Magic foi se adaptando, o que resultou numa mudança significativa na forma como os novos cards foram sendo desenvolvidos. O Magic cada vez mais precisou ser mais intuitivo e acessível, e com isso as regras complexas foram sendo rejeitadas e deixadas de lado, caindo no esquecimento.
O que restou para os velhacos foi se contentar com o fato de que seus cards e mecânicas exóticas favoritas jamais seriam trazidos de volta em novos cards. Neste cenário temos também habilidades como Rajada e Cascata - ambas muito aclamadas pelos jogadores - que embora não sejam necessariamente tão antigas ou obsoletas, se mostraram complicadas ou quebradas demais para os formatos competitivos mais difundidos como Standard e Modern. Claro, nada impede que a Wizards of the Coast traga de volta essas keywords caso ela queira, mas podemos imaginar que isso demande um cuidado excessivo para que eventualmente não haja necessidade de banimentos, o que nos leva a uma expectativa negativa da parte dos entusiastas dessas habilidades.
Afinal de contas, sabemos que é complicado agradar todo mundo. Mesmo assim, certas vezes a Wizards parece lembrar de seus consumidores mais saudosistas ao desenterrar personagens e palavras-chave a muito esquecidas. Isso tem se tornado bastante comum em coleções especiais como as das séries Master e Planechase, além das expansões anuais de Commander.
As coleções de Commander, em especial, vêm cumprindo um papel significativo neste sentido pois além de reprints de cards já vistos elas trazem também cards inéditos. Com cada vez mais frequência, estes novos cards também revivem antigas mecânicas aclamadas. Tivemos notáveis ocorrências desse tipo na coleção do ano passado, com o reaparecimento de Cascata e Proliferar.

Além dessas habilidades, Commander também tornou-se uma solução/pretexto válido para que eventos e personagens históricos da mitologia de Magic:the Gathering nunca antes representados em cards pudessem finalmente ter esta oportunidade, mesmo que seu tempo já estivesse num passado distante. Temos vários exemplos de casos assim na coleção deste ano: Wasitora, o Ur-Dragon, Edgar Markov, O-Kagachi, Mairsil e até mesmo uma nova versão da querida Mirri do Bons Ventos... são todos personagens já contemplados pela vasta Lore de MTG. Essa moda que começou lá em 2014, quando fomos surpreendidos com comandantes planeswalkers monocoloridos (dentre eles grandes heróis do passado, como Freyalise e Teferi), aparentemente tornou-se um padrão que a Wizards deve explorar bastante ainda. Pelo menos, assim eu espero!
Porém, em meio a tantos nomes icônicos e criaturas lendárias de Commander 2017, poucas cartas inéditas spoileadas deixaram a comunidade tão alvoroçada quanto esta...

Uau! A carta representa um episódio relevante em meio a Invasão Phyrexiana ao plano de Dominaria, uma das histórias mais épicas da lore de Magic:the Gathering. Para salvar sua terra natal de uma destruição iminente, o planeswalker Teferi desloca todo o país e seus habitantes do espaço-tempo presentes, isolando-os numa espécie de estado de animação suspensa. Assim, ele e sua terra não seria afetados pela devastação da guerra, desaparecendo no presente como se não existissem. Muitos anos no futuro, eles retornariam ao fluxo temporal, incólumes.
Todo esse flavor é bem representado pelo efeito desta mágica instantânea, que permite que você literalmente "dê o fora" por uma rodada, impedindo que seja afetado por (praticamente) qualquer coisa que queiram fazer no mesão. Ele também estende isso ao "seu domínio" (o campo de batalha) evitando que suas permanentes sejam afetadas. É como se você abandonasse o jogo por uma rodada, o que é bastante interessante levando em consideração o panorama de um mesão!
"Mas pera... é isso mesmo?! As permanentes... SAEM DE FASE??!!! OMG!!! ISSO É PHASING! É ALTERNÂNCIA! É SÉRIO QUE ESTÃO TRAZENDO DE VOLTA ESSA MECÂNICA TÃO FORA DA CASINHA?!"
Comentários desse tipo foram comuns em fórum e redes sociais onde os spoilers de C17 eram compartilhados. Muito se debateu sobre isso. Até um combo esquisito com Vapores Letais foi rapidamente disseminado, dando bastante oque falar.

Definição de combo ruim, mas dahora = "Pulo meus próximos 100 turnos e fico de fora esperando o grimório de vocês acabar!"
Mas afinal de contas, o que a Wizards pretende lançando essa carta? Seria esse um sinal de que estariam dispostos a trazerem de volta essa mecânica estranha que esteve "phase out" por tanto tempo?
Nhé... penso que não, infelizmente!
Neste caso a pergunta certa seria: "o que os designers e editores pretendiam enquanto desenvolviam esta carta?".
Antes de debruçar sobre a resposta, devemos entender que, muitas vezes, aquilo que conhecemos como "flavor" é a ultima coisa a ser definida durante o design de um card ou mesmo de uma coleção. Os temas e a história contada pelo card são determinados pela sua funcionalidade e mecânica dentro do jogo, e não o inverso. Este é um processo abertamente descrito por diversos game designers que escrevem artigos no próprio site oficial do MTG; e deve ser um lembrete de que não devemos nos levar pelas emoções quando vemos Teferi e sua mecânica tão característica sendo referidos em um card após tantos anos de ostracismo.
No artigo VAMPIRISM 101 , Bryan Hawley, desenvolvedor-chefe da equipe de design de Commander 2017, nos conta detalhes sobre o processo de criação de alguns cards da coleção, inclusive Teferi's Protection. Na verdade, o próprio card foi spoileado exclusivamente por meio deste artigo, mas depois que o primeiro cidadão salva a imagem e posta no twitter, apenas o card importa para a maioria... normal. Porém, apesar de toda a discussão na comunidade a cerca do card, Bryan deixa bem claro que este é um caso isolado e que não deve ser interpretado como o prenúncio de um retorno das fases.
"Faz pouco mais de 20 anos desde a última vez que imprimimos um card com phasing, mas está de volta. Aproveite, mas não se acostume com isso. É a mesma mecânica bizarra e não muito divertida que sempre foi, mas fez o trabalho aqui."
Brian Hawley.
No texto, Brian explica que o 'phase out' foi a melhor maneira que a equipe encontrou de representar o efeito desejado para este card específico, que era o de "estar fora do jogo" por uma rodada. Exilar as permanentes seria uma alternativa, mas não seria o ideal pois desencadearia habilidades de entrada e saída (um efeito de 'blink' em massa), desvirtuando o card de sua função pretendida e possivelmente tornando-o poderoso demais. Phasing era uma solução já existente no jogo que servia ao propósito, então eles apenas aplicaram ali, se dando ao trabalho de adicionar um texto explicativo sobre a mecânica entre parenteses para apresenta-la aos que desconhecem (que obviamente são muitos).
Embora confesse que gostei de imaginar mais cards com phasing sendo revelados até o fim dos spoilers de C17 e tenha ficado um pouco decepcionado ao descobrir que não passava de um caso isolado que não se repetiria; gosto de me manter esperançoso. Estou minimamente otimista a ponto de acreditar que isso pode não ter sido tão jogado assim.
Acontece que existem muitos estigmas negativos a cerca da mecânica de phasing, confusões e interpretações errôneas sobre ela (dentre elas, a de achar que não passa de mais um efeito de blink). Ao mesmo tempo, penso que phasing na verdade nunca foi bem explorada em seus tempos. Embora reconheça que grande parte dos cards com esta habilidade sejam de muito ruins a irrelevantes, não vejo a mecânica em si como extremamente complexa ou pouco divertida. Na verdade vejo bastante potencial nela, e acredito que seja perfeitamente possível que os designers da WotC nos presenteiem mais vezes com cards realmente divertidos que utilizem as fases, como fizeram com Teferi's Protection. Não espero que isso aconteça em coleções que façam parte do Stardard - acho que é pedir demais ainda. Mas os sets de Commander também estão ai pra essas coisas não é verdade?! Possibilitar experiencias novas, mesmo que através de métodos antigos.
Talvez, muito do que se pensa sobre a ineficácia lúdica do phasing e de outras habilidades antigas, se deva pela fato de terem permanecido tanto tempo em esquecimento... mesmo que o senso comum diga que seu esquecimento seja o resultado de sua ineficácia lúdica. Uma habilidade que não é printada a mais de 20 anos certamente cairá no esquecimento dos players mais antigos ou será completamente desconhecida para os novos, por mais característica que seja. Quando você consulta o Oracle e descobre que praticamente nenhum desses cards que foram impressos a anos atras realmente é digno de nota, isso só se confirma.
Pode ser que Teferi's Protection dê uma leve refrescada na memória, trazendo de volta esta mecânica tão estigmatizada na forma de um card balanceadamente divertido e com uma dose generosa de flavor nostálgico.
Posso estar viajando... e o mais provável é que realmente esteja... mas pelo menos já é o suficiente pra dar uma bela revisada no meu Commander MonoBlue de Teferi, Mage of Zhalfir, splashar o deck para o branco, e brincar de pular o próprio turno com Chronatog...
Se funcionar, pode até ser que renda uma deck tech, mas por enquanto fico apenas na esperança aqui.
Até mais!
Comentarios